terça-feira, 20 de setembro de 2011

JUSTIÇA PROÍBE PREFEITURA DE OURICURI DE BLOQUEAR SALÁRIO DE SERVIDOR


A Prefeitura Municipal de Ouricuri foi proibida pela justiça de bloquear o salário da servidora Ana Patrícia de Araújo Siqueira (veja a sentença do juiz abaixo).
Como seu pagamento não foi efetuado, a servidora procurou o SINDSEP onde é sindicalizada.
De imediato foi oficiado o caso junto a Prefeitura, que alegou faltas ao trabalho, o que não justifica o bloqueio de salário.
Diante da recusa da Prefeitura em regularizar o pagamento da servidora,  o caso foi repassado ao Setor Jurídico do SINDSEP que prontamente ingressou na justiça, que determinou que a Prefeitura de Ouricuri regularizasse o pagamento e não mais bloqueasse o salário da servidora.
Ocorre que compareceram ao SINDSEP nesta semana cinco servidores reclamando que a Prefeitura bloqueou seus salários.
O SINDSEP procurou a Prefeitura no dia 20 de setembro de 2011, que alegou faltas ao serviço, porém se comprometeu em analisar os casos e encaminhar resposta até o dia 23/09/2011.
Não havendo uma resposta positiva estaremos acionando a justiça mais uma vez para garantir o direito do trabalhar ao seu salário.
Veja abaixo a sentença na íntegra:
Dados do Processo

Número NPU 0000411-93.2010.8.17.1020
Descrição Procedimento ordinário
Vara Segunda Vara da Comarca de Ouricuri
Juiz Sydnei Alves Daniel
Data 01/04/2011 08:42
Fase Registro e Publicação de Sentença
Texto Processo nº 0000411-93.2010.8.17.1020
Requerente: Sindicado dos Servidores Públicos Municipais de Ouricuri
Requerido: Município de Ouricuri

SENTENÇA

Trata-se de ação de Obrigação de Fazer com pedido liminar, ajuizada pelo Sindicato dos Servidores Públicos do Município de Ouricuri, em favor de Ana Patrícia de Araújo Siqueira (conforme petição de fls. 49), e em face do Município de Ouricuri, sob a alegação de que os vencimentos da referida servidora estariam bloqueados em razão de dias não trabalhados.
Embasou a inicial com os documentos de fls. 11/39.
Custas satisfeitas às fls. 40.
Determinada emenda à inicial às fls. 50, a parte autora cumpriu a diligencia conforme petição de fls. 51/52 e documentos de fls. 53/72.
Expedido ofício solicitando informação sobre o bloqueio dos salários, em 48 horas, o mesmo foi recebido em 23/08/2010 pela Diretora Geral de Pessoal do Município de Ouricuri (fls. 75), porém, não foi respondido (fls. 75v).
Concedida antecipação de tutela às fls. 76/83.
Citada (fls. 84/85), a parte ré apresentou contestação (fls. 86/89) na qual afirma que não houve bloqueio da remuneração da respectiva servidora, mas, tão-somente, um problema na transmissão de arquivos do PAG salários via internet e que, verificado o erro, foi imediatamente corrigido, pugnando, por fim, pela extinção do processo sem resolução do mérito por perda do objeto.
Em réplica (fls. 91/93), a parte autora rebate os argumentos da requerida alegando que o Ente Municipal quando avisado do bloqueio das contas nada fez, somente o fazendo após determinação judicial, ressaltado, ademais, que entre a data da solicitação dos motivos do bloqueio e a data da resolução do problema decorreram mais de sete meses. Requer por fim o julgamento procedente do pedido.
É o relatório.
Decido.
Inicialmente, verifico que a causa comporta julgamento antecipado da lide na forma determinada pelo art. 330, I do CPC, que aduz:
Art. 330. O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença:
I - quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência;
No caso em comento percebe-se que a matéria é unicamente de direito e que não há necessidade de produção de provas em audiência, vez que o processo já se encontra devidamente embasado com elementos suficientes ao seu julgamento.
Quanto ao mérito, aduzo como antes dito na decisão de antecipação de tutela, que é cediço que o salário possui caráter alimentar, não sendo passível de constrição no seu valor, salvo algumas exceções, como as previsões legais, o desconto de alimentos, por determinação judicial e por autorização do servidor.
Entretanto, esta intervenção nunca poderá chegar ao ponto de impedir que o trabalhador receba parte do seu salário.
A própria Constituição Federal, dando status de direito fundamental ao salário, em seu art. 7º, X, estabelece a "proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;".
Em que pese a parte penal de tal dispositivo ainda não ter sido regulamentada, tal norma tem a capacidade de produzir efeitos impeditivos, mesmo ainda não tendo sido regulamentada por lei, pois os direitos fundamentais tem aplicabilidade imediata, conforme o §1º1 do art. 5º, da Constituição Federal.
O §1º-A, do art. 100, da CF, que trata dos Precatórios alça a categoria de natureza alimentar, entre outros, os salários, vencimentos, conforme abaixo transcrito:
Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo.
As regras acima transcritas tem como fundamento o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que é o principio conformador de todo o ordenamento jurídico e que foi erigido pelo constituinte de 1988 à categoria de fundamento da República Federativa do Brasil2, ou, como nas palavras do eminente Ministro do STF, Celso de Mello, quando da concessão de Medida Cautelar no julgamento do HC 85988-PA, publicada no DJ em 10/06/2005: "representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo."
Tal princípio tem como objetivo primordial a garantir um mínimo de existência digna à pessoa.
Nas palavras do Professor Ingo Wolgang Sarlet3 Dignidade da Pessoa Humana é "a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos."
A legislação infraconstitucional também busca proteger o salário como forma de garantir ao ser humano uma existência digna, corolário do principio da dignidade da pessoa humana.
O art. 649, IV, prevendo que o salário é verba impenhorável, aduz que são absolutamente impenhoráveis:
IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º deste artigo;
A jurisprudência também se manifesta da impossibilidade de se lançar constrição ao salário do servidor, eis que se trata de verba alimentar.
TRF1-143145) ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CESSÃO PARA ÓRGÃO ESTADUAL. PAGAMENTO DA REMUNERAÇÃO. ÔNUS DO CESSIONÁRIO. RESSARCIMENTO AO CEDENTE. ARTS. 45, 48, 93, I, § 1º, E 127 DA LEI Nº 8.112/90. DECRETO-LEI Nº 2.355/87. INADIMPLÊNCIA DO CESSIONÁRIO. SUSPENSÃO DO PAGAMENTO DA REMUNERAÇÃO DO SERVIDOR. ILEGALIDADE. CARÁTER ALIMENTAR. SENTENÇA MANTIDA.
1. O autor, agente administrativo do INSS, foi cedido ao Estado de Rondônia para o exercício de cargo em comissão com ônus para o órgão cessionário, nos termos do art. 93, I, § 1º, da Lei nº 8.112/90, com o reembolso previsto no Decreto-Lei nº 2.355/87, com início da cessão em 03.04.95 e término em 18.01.99. Desta forma, como o servidor federal foi cedido para órgão estadual para exercício de cargo em comissão, incumbia ao cessionário o ônus de reembolsar o cedente o valor da remuneração do servidor cedido cujo pagamento foi efetuado por este.
2. No entanto, verifica-se que o órgão cessionário deixou de efetuar o reembolso devido ao órgão cedente, em razão do que o órgão cedente procedeu à suspensão do pagamento da remuneração do autor no período de fevereiro a dezembro de 1998 de forma indevida, pois lhe cabia cobrar os valores devidos a título de reembolso junto ao cessionário, a quem incumbia o ônus do seu pagamento, e não penalizar o servidor em razão da inadimplência do órgão cessionário, à míngua de previsão legal.
3. A suspensão de pagamento da remuneração de servidor público não se inclui no rol de penalidades a que está sujeito o servidor disposto no art. 127 da Lei nº 8.112/90. Ademais, mostra-se incabível o bloqueio de pagamento de vencimentos de servidor pela administração, já que revestidos de caráter alimentar, pelo que não podem ser objeto de penhora, arresto e seqüestro, nos termos do art. 48 da Lei nº 8.112/90. Precedentes desta Corte.
4. Segundo o art. 45 da Lei nº 8.112/90, salvo por imposição legal, ou mandado judicial, nenhum desconto incidirá sobre a remuneração ou provento. Assim, inexistindo determinação legal ou ordem judicial, não poderia a administração proceder à suspensão do pagamento da remuneração do autor embasada em mera instrução normativa, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade.
5. Não há que se falar em ausência injustificada ao trabalho por parte do autor no período mencionado, uma vez que restou comprovado nos autos que o mesmo se encontrava então cedido ao órgão cessionário, prestando serviços ao mesmo, pelo que faz jus à percepção da remuneração respectiva, paga pelo cedente e reembolsada pelo cessionário.
6. Apelação do INSS e remessa oficial desprovidas.
(Apelação Cível nº 2000.41.00.001359-2/RO, 1ª Turma do TRF da 1ª Região, Rel. Antônio Sávio de Oliveira Chaves, Rel. Convocado Sônia Diniz Viana. j. 26.03.2008, unânime, e-DJF1 06.05.2008, p. 20).

TJMT-007307) MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL - ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO - POLICIAL - BLOQUEIO DE VENCIMENTOS - IMPOSSIBILIDADE - LICENÇA MÉDICA - SEGURANÇA CONCEDIDA.
Não pode a Administração Pública reter o pagamento da remuneração de servidor público, em razão de cometimento de faltas ao serviço, sem observância do contraditório e ampla defesa.
(Mandado de Segurança Individual nº 49277/2007, 2ª Turma de Câmaras Cíveis Reunidas do TJMT, Rel. José Silvério Gomes. j. 15.01.2008, unânime).
Se o ordenamento jurídico pátrio veda a possibilidade de penhora dos salários, que dirá o bloqueio total das respectivas verbas, pois estas visam garantir uma vida digna ao ser humano e àqueles que dele dependem.

TJPE-025067) CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA COMO SUCEDÂNEO DE AÇÃO DE COBRANÇA - COBRANÇA DE VALORES PRETÉRITOS - PRELIMINARES REJEITADAS - SERVIDOR PÚBLICO MILITAR - BLOQUEIO DE VENCIMENTOS - ATO ILEGAL - DIREITO LÍQUIDO E CERTO RECONHECIDO.
1. Preliminar: O Secretário Estadual de Administração e a Procuradoria de Justiça sustentam que o mandado de segurança não é sucedâneo de ação de cobrança, e, sendo assim, descaberia o manejo da presente pretensão mandamental, porquanto a Lei nº 5.021/66 e as Súmulas 269 e 271, do Supremo Tribunal Federal são claras neste sentido e a orientação nelas contidas continua a persistir.
2. O caso em apreço, no entanto, não diz respeito a cobrança de valores pura e simplesmente de valores, mas, sim, a desbloqueio de vencimentos de servidor público militar estadual, ocorrido, ao que consta, dentro dos 120 (cento e vinte) dias previstos na Lei nº 1.533/51 para o uso do remédio heróico.
3. Preliminar rejeitada, à unanimidade.
4. Mérito: O ato apontado como ilegal se subsume no bloqueio abrupto dos vencimentos do Impetrante referentes ao mês de julho de 2000 sem que fosse dada qualquer justificativa plausível pelas Autoridades averbadas como coatoras, que optaram apenas, em sede de informações, suscitar a preliminar de inadequação da via eleita.
5. Aqui não se persegue aumento de vencimentos, equiparação de vantagens ou gratificação de qualquer espécie, mas tão-somente o direito do Impetrante em receber seus vencimentos continuada e regularmente.
6. O caráter alimentar da remuneração do servidor público deve ser reconhecido de pronto, não sendo lícito a quem quer que seja, muito menos a Administração, retê-lo. Porém, independentemente do que tenha levado ao malsinado bloqueio, e do fato de já se ter passado quase 8 (oito) anos do ato ilegal, entende-se por bem reconhecer, de pronto, o direito líquido e certo do Impetrante à percepção de seus vencimentos mensais, concedendo-se a Segurança à unanimidade.
(Mandado de Segurança nº 0065253-9, 1º Grupo de Câmaras Cíveis do TJPE, Rel. Bartolomeu Bueno. j. 28.05.2008, DOE 20.06.2008).

No caso dos autos, apesar da tentativa da Municipalidade de classificar o fato como um mero problema, bem como dizer que após a constatação do problema o mesmo teria sido solucionado, conforme alegado em sua contestação, está patente que o que realmente aconteceu não foi um problema no sistema, se não vejamos:

O Ente Municipal foi provocado pelo Sindicato dos Servidores Públicos do Município de Ouricuri, em 02/03/2010, a dizer qual o motivo pelo qual a servidora em questão estava sem receber o seu salário, conforme faz prova o documento acostado às fls. 37.
Entretanto, quedou silente. Também não se manifestou quando este juízo solicitou informações sobre o bloqueio dos salários da servidora Ana Patrícia de Araújo Siqueira, conforme certidão de fls. 75v.
Somente realizou a possível resolução do problema após a determinação judicial de liberação dos valores, em 13/09/2010, mais de seis meses após ter sido informada sobre a situação da servidora.
Ora, não há como prosperar a tese da requerida, pois vê-se através de toda a documentação acostada aos autos que os valores estavam realmente bloqueados, o que foi feito em desacordo com o dispõe a Lei Municipal 972/2003, Estatuto dos Servidores Municipais de Ouricuri, que prevê os casos de penalidades no caso de falta ao serviço, estabelecendo o art. 125, I, que "O funcionário perderá: O vencimento do dia, se não comparecer ao serviço, salvo motivo justificado ou moléstia comprovada;".
O art. 128 da mesma Lei dispõe que "As reposições e indenizações à Fazenda Municipal serão descontados do vencimento ou proventos em parcelas mensais , não excedente à sua décima parte."

ISTO POSTO, com fulcro no artigo 269, I, e 461, Caput, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, o que faço efetivando a medida determinada na decisão de tutela antecipada de fls. 76/83, sob pena de aplicação de multa diária de R$ 1.000,00 (hum mil reais) ao Prefeito Municipal, SR. FRANCISCO RICARDO SOARES RAMOS.

Honorário em 10% do valor da causa, pela parte ré.
Condeno a parte ré ao pagamento das custas.
Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, com baixa na distribuição.
P. R. I.

Ouricuri, 24 de março de 2011.

SYDNEI ALVES DANIEL
Juiz de Direito

1 § 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.



Estes dados são apenas informativos, não tendo nenhum valor legal.



Nenhum comentário:

Postar um comentário